sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Uma lagartixa - Juan Burghi







- Trabalho prático do Curso de Tradução 2/2013 -



Uma lagartixa
Juan Burghi

Tradução:
Claudio Bertocchi, Débora Gutiérrez, Gabriela Saliva,
Lilián Endrigo, Nancy Nagata, Susana García Balmore

Coordenação:
Adriana Almeida


Manhã. Estio. Reflexo de sol. O pedregal da serra parece ranger no entendimento do lume. Sobre a superfície de um penhasco liso, como se estivesse se queimando, uma lagartixa se aquece ao sol. Seu traje de luzes concentra o sol e os esmaltes de todo um verão e sua presença fala dos três reinos: animal, pois se vê nela uma bestialidade; vegetal, por se assemelhar a um galhinho verde; e mineral, por parecer feita de cobre e mica. E também faz lembrar os quatro antigos elementos: a terra, em sua argila animada; a água, em seu aspecto de poça com lodo ao sol; o ar vibrátil, no espelho que a rodeia; e o fogo, no vivo flamejar de seus brilhos.
Assim, imóvel, hierática, é uma pequena deidade egípcia talhada primorosamente, do solícito triângulo de sua cabeça de olhos faiscantes, os suportes de suas patas, a serpe de seu corpo, até o chicote de sua cauda que se prolonga em um cordãozinho, apêndice este que, em caso de perigo, se for presa por ele, corta-o de uma dentada, abandonando-o, e durante vários minutos fica esse apêndice se retorcendo entre saltos, como uma minhoca que acabou de ser desenterrada.
Recebe toda a luz e a recria, transformando-a em reflexos e cores. Até mesmo o sol parece observá-la fixamente, e esse olhar do sol também a captura e, como se fosse um espelho, projeta-a aumentada. Ela toda é uma obra de arte acabada e perfeita, fruto de um artista mágico... Até a pedra na qual repousa, cinza e opaca, contribui para realçá-la.
Vendo essa talha inimitável, vem à minha lembrança uma lenda de terras astecas, lida não me lembro onde e chamada“A Lagartixa de Esmeraldas”:
“Era uma vez um padre santinho que morava ao pé de uma serra, entre as inocentes criaturas do Senhor, e a quem todos os pobres da região acudiam em suas aflições. Em uma manhã como esta, um índio necessitado de algo com que matar a fome de sua mulher e de seus filhos recorreu a ele. Encontrou-o numa trilha, perto de sua casa, e com a voz angustiada lhe contou suas dores, pedindo ajuda para aliviá-las.
O bom santinho que, por tudo dar, nada tinha, sentia-se comovido por tanta miséria, e profundamente entristecido por não poder remediá-la; e assim, comovido e abalado, começou a implorar a Graça Divina. Enquanto rezava, olhando ao seu redor, seus olhos se detiveram em uma lagartixa que tomava sol ao seu lado, e estendeu sua mão até ela, pegando-a suavemente. Com o contato dessa mão milagrosa, a lagartixa se transformou em uma joia de ouro e esmeraldas que foi entregue ao índio, dizendo-lhe: “Pega e vai até a cidade, pois, em alguma casa de penhores, algo vão te dar por isso”.
O índio obedeceu e, com o que conseguiu, não só acabou com a sua fome e a da sua família, mas também pôde comprar umas terras que depois progrediram. Anos mais tarde, quando a sua situação melhorou, achou que devia devolver ao legitimo dono aquela joia que tanto bem lhe tinha feito.
Ele a recuperou e, em uma linda manhã de verão, voltou com a joia à procura do santinho, o qual encontrou no mesmo lugar da primeira vez, ainda que muito mais velho e, como se fosse possível, ainda mais pobre.
- Santinho querido - disse-lhe o índio. Aqui lhe devolvo esta joia que um dia o senhor me deu e que tanto me serviu. Já não preciso dela, fique com a joia e talvez sirva para ajudar outra pessoa. Muito obrigado e que Deus o abençoe...

O velhinho já não se lembrava de nada. Com ar distraído, ele a pegou, deixando-a suavemente sobre uma pedra. Novamente e, pelo milagre de suas mãos, aquele objeto precioso voltou a ser o que antes tinha sido, uma lagartixa, que começou a andar lentamente em direção ao seu refúgio.