" A esse mundo, só a poesia
poderá salvar ..."
O Poeta
A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um contínuo de dor angustiante.
O poeta é o destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a visão de beleza
E a sua alma é uma parcela do infinito distante
O infinito que ninguém sonda e ninguém compreende.
Ele é o eterno errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o céu
Preso pelos extremos intangíveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida.
O poeta tem o coração claro das aves
E a sensibilidade das crianças.
O poeta chora
Chora de manso, com lágrimas doces, com lágrimas tristes
Olhando o espaço imenso da sua alma.
O poeta sorri
Sorri à vida e à beleza e à amizade
Sorri com a sua mocidade a todas as mulheres que
passam.
O poeta é bom.
Ele ama as mulheres castas e as mulheres impuras
Sua alma as compreende na luz e na lama
Ele é cheio de amor para as coisas da vida
E é cheio de respeito para as coisas da morte.
O poeta não teme a morte.
Seu espírito penetra a sua visão silenciosa
E a sua alma de artista possui-a cheia de um novo
mistério.
a sua poesia é a razão da sua existência
Ela o faz puro e grande e nobre
E o consola da dor e o consola da angústia.
A vida do poeta tem um ritmo diferente
Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e
olhando o céu
Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.
Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus
olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres
eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz
e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em
minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria
terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta
terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do
passado.
Eu deixarei ... tu irás e encostarás a tua face em
outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás
para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi
a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu
abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei
partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das
aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz
serenizada.
(In : Forma e exegese - PC e P., p. 99)
Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus
ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente
fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das
promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem
fatalidade o olhar extático da aurora.
(Novos poemas - PC e P, p.155-156)
Soneto do amor total
Amo-te tanto, meu amor.. não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito a amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
(Rio, 1951 - P. 336)
Soneto do maior amor
Maior
amor nem mais estranho existe
Que
o meu, que não sossega a coisa amada
E
quando a sente alegre, fica triste
E
se a vê descontente, dá risada.
E
que só fica em paz se lhe resiste
O
amado coração, e que se agrada
Mais
da eterna aventura em que persiste
Que
de uma vida malaventurada.
Louco
amor meu, que quando toca, fere
E
quando fere vibra, mas prefere
Ferir
a fenecer - e vive a esmo
Fiel
à sua lei de cada instante
Desassombrado,
doido, delirante
Numa
paixão de tudo e de si mesmo.
Oxford, 1938
(Poemas, Sonetos e Baladas - PC e P., p. 202)
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Que vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Poemas, Sonetos e Baladas - PC e P., p. 183)
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