domingo, 17 de julho de 2011

Passeata Contra a Guitarra Elétrica - 1967

Jair Rodrigues, Elis Regina, Gilberto Gil e Edu Lobo
Há 44 anos, em 17 de julho de 1967, com o intuito de "defender o que é nosso", foi organizada em São Paulo a famosa "Passeata da Música Popular Brasileira", que entrou para a história como a "Passeata contra a Guitarra Elétrica", uma passeata contra a invasão da música estrangeira.

Uma das líderes desse movimento era Elis Regina. Gilberto Gil, meio desconfiado, também compareceu à marcha em defesa da MPB. Geraldo Vandré, Edu Lobo, Jair Rodrigues e muitos outros artistas que representavam a música brasileira à época (e até hoje) entoaram gritos contra a guitarra e a música norte-americana.

Chico Buarque não participou. Caetano Veloso, amigo de Gil, conta no documentário "Uma noite em 67" que ele também não foi à passeata, mas assistiu a tudo do Hotel Danúbio ao lado de Nara Leão.
Acho isso muito esquisito, ele teria dito.
Nara devolveu:
Esquisito, Caetano? Isso aí é um horror! Parece manifestação do Partido Integralista. É fascismo mesmo.

A tal passeata contra a guitarra elétrica se revela hoje um movimento infantil, bobalhão, como sugerem Caetano e o próprio Gil no documentário. Até mesmo "idiota", como diz o jornalista Sérgio Cabral, jurado no Festival da Record de 1967. Resgatar essa história, no entanto, revela muita coisa sobre a música brasileira.

Em 1967, a música ocupava o horário nobre da TV Record e gerava acalorados debates. A "Jovem Guarda" fazia enorme sucesso nas tardes de domingo e o programa "Fino da Bossa", apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues, começava a perder espaço. O êxito de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa era, para muitos, um sinal de que a MPB estava perdendo força. E tudo isso acontecia em uma ditadura militar, o que fazia com que os debates ganhassem contornos de arena. Segundo Nelson Motta, "a Jovem Guarda representava a música jovem e a MPB, a música brasileira. E a gente se perguntava: por que não pode haver uma música jovem e brasileira?"

Três meses depois da passeata contra a guitarra elétrica, em outubro de 1967, começou a primeira eliminatória do III Festival da TV Record. Jornais, revistas e todos os meios de comunicação deram grande espaço ao evento mesmo antes de ele começar. Não faltavam elementos para tornar aquela disputa emocionante.

Caetano Veloso era conhecido pela maioria do público apenas pela sua vasta cultura musical. Duelava com Chico Buarque no programa "Esta Noite se Improvisa". No jogo, comandado por Blota Jr, ganhava quem conseguisse cantar uma música a partir de uma palavra dada pelo apresentador. O bordão "A palavra é..." se tornou famoso em todo o país. Quando subiu no palco pela primeira vez para defender "Alegria, Alegria", Caetano tinha ambições muito maiores do que o primeiro lugar. Apresentou-se com um grupo de cabeludos argentinos chamados Beat Boys que empunhava um instrumento profano para aquela plateia: guitarras elétricas. Recebeu uma imensa vaia. Entrou com uma cara furiosa e, sem pestanejar, atacou os acordes iniciais de sua música. As vaias foram baixando e alguns aplausos começaram a ser ouvidos. À medida que a música prosseguia, mais e mais vaias iam se transformando em aplausos. Caetano terminou ovacionado e, emocionado, tombou para trás. Caiu no chão de costas embevecido pelo estrondoso sucesso instantâneo. Estava provado que poderia haver uma música jovem e brasileira.

A maior surpresa musical do festival estava guardada para a segunda eliminatória. Para apresentar seu número, Gilberto Gil procurou o Quarteto Novo, composto por Hermeto Pascoal, Theo de Barros, Airto Moreira e Heraldo Do Monte. Mesmo tendo participado da passeata contra as guitarras elétricas, Gil estava profundamente influenciado pelo som dos Beatles - especialmente o disco "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band" -, dos Rolling Stones e da vanguarda do rock internacional. Na sua cabeça, pipocavam ideias de mesclar as guitarras de George Harrison e Keith Richards com o violão de Jorge Ben, a sanfona de Luiz Gonzaga e os ritmos regionais brasileiros com os sons eletrônicos. Eram ideias arrebatadoras. E o Quarteto Novo não topou a encrenca. O grupo acabou acompanhando Edu Lobo em "Ponteio". O maestro Rogério Duprat, que seria o arranjador da obra-prima de Gil, sugeriu que ele conhecesse uns meninos: um grupo de jovens de extrema sensibilidade musical e, principalmente, com afinidades estéticas em relação a Gil. Dessa forma, Rita, Arnaldo e Sergio - Os Mutantes - foram convidados a tocar guitarra, baixo e cantar "Domingo no Parque". Nos bastidores do festival, o repórter da TV Record Randal Juliano entrevistou Arnaldo Baptista ao lado de Gilberto Gil e perguntou: "Qual foi a reação de vocês quando Gilberto Gil chegou e disse: 'quero vocês no meu número no festival tocando guitarra elétrica'?". Arnaldo respondeu "nós achávamos que dava certo". Deu certo. A música de Gil também começou vaiada e conquistou o público durante a apresentação. Os jurados também ficaram de queixo caído.

Na finalíssima do III Festival da Música Popular Brasileira, "Domingo no Parque" (Gilberto Gil) ficou em segundo lugar, atrás de "Ponteio" (Edu Lobo). Em terceiro lugar ficou "Roda Viva" (Chico Buarque) e "Alegria, Alegria" (Caetano Veloso) ficou em quarto.

Além da qualidade musical, o III Festival da Record teve uma influência imensa na música brasileira. Segundo Nelson Motta, em seu livro "Noites Tropicais", "é naquele momento que explode o tropicalismo, que racha a MPB, que Caetano e Gil se tornam ídolos instantâneos, que se confrontam as diversas correntes musicais e políticas da época."

4 comentários:

  1. Essa manifestação foi praticamente um ato fascista. Foi algo abominável e absurdo.

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    1. Porém, foi importante para abrir a mente de várias pessoas (pois chamou mais atenção para o instrumento). Sem contar que o mesmo aconteceu com Dylan... ou seja o 'medo' da guitarras não era restritamente aos brasileiros.

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  2. São as precipitações dos ditos cabecinhas da nossa música dita poppular... atitudes como essa e muitas outras que contribuiram para deixar a música brasileira tão limitada.
    Para você ter uma ideia, o Brasil parece so se preocupar com vozeirão ou com percursão, como se música se resumisse a isso. Sou muito triste com a nossa música, apesar de ter coisas que eu amo como Belchior, Fagner, Nando Reis, Paralamas do Sucesso do disco Selvagem, enfim. Muita coisa boa, mas poderia ser melhor se gente como a Elis Regina, e muitos outros, nao tivesse metido tantas limitações na cabeça do brasileiro.

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  3. Hoje estamos assim

    OS TOGAS SUJAS???...
    "DA LAMA AO CAOS" - A nenhum magistrado deveria ser dado o direito de legislar contra os princípios morais de um país.
    http://cinenegocioseimoveis.blogspot.com.br/2012/02/justica-os-togas-sujas.html

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